A relação entre leitores e seus livros é íntima. Não que se trate da intimidade emotiva e romantizada com que normalmente se referem à leitura aqueles que falam sobre um amor piegas. A intimidade que o livro possui na vida de um verdadeiro leitor é aquela que invade todas as esferas de sua vida.
Para o leitor, o livro é um companheiro constante e muitos dos espaços são preenchidos com a leitura. Come-se com um livro ao lado da refeição, aguardando para ser lido ou já aberto diante de olhos passeantes. Os mais agraciados carregam o livro para ricos banhos, e outros para o descanso de uma rede ou na grama de um parque. Embora cada vez mais substituído pelos aparelhos celulares, ainda podemos encontrar leitores com livros nas mãos em ônibus cheios e em barulhentos trens urbanos. A intimidade que o livro invade é o dos momentos de cansaço, tristeza e alegria. Mesclam-se aos momentos que vive o leitor, marcando e sendo marcados por eles, muitas vezes literalmente.
Acontece que, ao atravessar os momentos da vida de um leitor, o livro também não passa incólume. E isso acontece não raro, seja o afeto por um objeto, transformado em marcador de luxo ligado àquele leitor ou àquela leitura, ou então o fruto da sanha em não se perder jamais o fio que a trama do livro fia, obrigando o leitor a se valer da primeira coisa à mão para marcar uma página importante — e em geral logo esquecida, seja dito.
Os objetos encontrados dentro de livros, em sebos, coleções e bibliotecas são de toda sorte. Uma carta de amor esquecida, um postal de uma viagem ou um bilhete perdedor da loteria. A isso restam apenas as conjecturas. Há os devotos — leitores, não os livros — que incluem nas leituras seus santos favoritos. E há os santos de fato, que de tão abnegados deixam notas de dinheiro, algumas bem altas como marcadores. A pena é que quando encontramos, em geral já trocaram a moeda.
Há muita gente que vê beleza também nesses objetos encontrados dentro de livros, os “biblioachados”. Vê neles poesia, alguma visão filosófica repleta de beleza. Viajam ao descobrir esses achados e conjecturam, imaginam e elaboram os fatos para imaginar a história que eles contam. Por mais acertados os chutes e as investigações, sempre estarão presos ao terreno das conjecturas. Muito mais profundo do que a busca pelo real motivo dos objetos serem deixados lá é a leitura também destes objetos. Evidenciado pela sua presença dentro dos livros, lembram a importância inestimável da leitura para o fazer humano, essa leitura que não está presa apenas às palavras.