Em uma daquelas reflexões que partem de uma observação boba, geralmente com amigos em um sábado à noite depois de alguns copos de bebida, apontei a diferença entre o que encontramos no dicionário e nas buscas de internet ao procurar pela palavra “livreiro”.
No dicionário ainda encontramos referências ao vendedor ou proprietário de livraria, além de palavras que já não fazem parte do nosso vocabulário: Biblíaco, livresco, bibliopola…
Já uma busca no google retorna de forma assertiva: “livreiro em Promoção na Loja Tal”
Nada contra as estantes – eu mesmo preciso adquirir uma nova para acomodar tantos livros que já gritam por mais espaço –, mas ficou jogada esta questão. O que será do livreiro? Será que esta palavra sofrerá com outra forma de desaparecimento do vocabulário, aquele que ressignifica uma palavra até que ela perca o seu sentido original?
Sinceramente, espero que não. Não digo apenas pela importância da profissão na vida de tantos amigos livreiros, mas também pela importância dessa profissão na cadeia de produção da indústria do livro.
É verdade que hoje se publica muito, em tiragens menores do que no passado, mas com muito mais conteúdo sendo produzido. É verdade também que, em muitos sentidos, o acesso à internet, os avanços tecnológicos e os serviços de entrega aumentaram o acesso ao livro – seja ele físico ou digital.
No entanto, a internet é profundamente falha em realizar uma habilidade crucial que a perda do livreiro como intermediador evidência: a curadoria crítica. Perceba o leitor deste texto que não falo da mera curadoria. Esta os algoritmos são capazes de fazer e fazem com sucesso, induzindo nos compradores uma falsa noção de serem atendidos.
É fácil a uma grande loja ou um grande buscador encontrar elementos no comportamento dos usuários que relacionam um livro do James Joyce a outro da Virginia Woolf e entreguem essa opção ao comprador. Mas escapa à máquina a capacidade de uma indicação crítica, do risco de se apresentar algo verdadeiramente novo. Sem isso, sem a expansão dos horizontes – que nada tem a ver com a qualidade em si, veja bem – torna o mercado cada vez mais anêmico, dependente dos mesmos rostos conhecidos e populares.
Por isso o resultado da busca sobre a palavra “livreiro“ me pareceu fortuita. Evidente que dado o próprio papel desse novo-livreiro-algorítmico reconheceria a palavra como um mero expositor de livros. Ironicamente, soa como um auto-reconhecimento da máquina.